“Segundo a definição antiga, democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo, mas, na democracia de hoje, o que está ausente é o povo” (José Saramago)
Renata Abreu (*)
Durante 21 anos o Brasil viveu sob o peso dos coturnos e a ameaça das baionetas. A ditadura suprimiu eleições diretas para presidente, governador e prefeitos de capitais; cassou mandatos de parlamentares combativos e censurou os meios de comunicação. Pior: prisões arbitrárias, torturas e assassinatos de opositores viraram política de Estado.
Vencendo o medo, o povo foi às ruas para exigir o direito de votar para presidente e conseguiu finalmente pôr um fim àquele deplorável estado de coisas. Eu nasci naquela época e aprendi a necessidade da política em casa, ouvindo alguns dos protagonistas dessa história.
Com a Constituição de 1988, finalmente, instaurou-se no Brasil uma democracia participativa, pelo menos no nome. De fato, em seu artigo 1º, a Carta Magna garante que “todo o poder emana do povo”. Infelizmente o que temos visto, nestas três décadas de redemocratização, é um hiato crescente entre o povo e seus representantes, seja no Executivo, seja no Legislativo. Tivemos pacotes econômicos desastrosos, confiscos, aumento da recessão e do desemprego, alguma esperança e muita frustração.
E a corrupção se institucionalizou a tal ponto que, em apenas 30 anos, tivemos dois presidentes que sofreram impeachment! Ultimamente, o país vem assistindo, estarrecido, à descoberta de um megaescândalo de corrupção que abrange quase todos os partidos, atingindo em cheio o nosso sistema político. Não é à toa que a grande maioria das pessoas se sente traída e que o “não me representa” seja a melhor expressão da relação atual entre o povo e os políticos. É por isso que, desde 2013, multidões voltaram às ruas para protestar contra os desmandos da elite política e exigir o seu direito de participar das grandes decisões nacionais.
Isso significa que a democracia fracassou como projeto e que os militares tinham razão? De maneira alguma! Ocorre que o mundo mudou muito, mas as instituições políticas não acompanharam essa mudança. Vivemos na época da globalização econômica e financeira, da informação em tempo real, das discussões nas redes sociais, em que a demanda por transparência e participação é crescente. Mas nossas instituições políticas nasceram no século XVIII, com as revoluções americana e francesa. É preciso, então, não rejeitar a democracia, que é essencialmente dinâmica, mas aprofundá-la para que ela possa responder aos desafios atuais.
O Podemos nasce com o objetivo de expressar esses novos anseios. Como mostraram as manifestações da Primavera Árabe de 2011, e os protestos dos últimos anos no Brasil, os cidadãos não aceitam mais o papel de agentes passivos da política; querem ter voz ativa nas decisões dos governos, não se contentando apenas em trocá-los a cada quatro anos.
Defendemos a criação de mecanismos de participação com ações de democracia direta, utilizando as novas tecnologias da informação para aproximar a população do processo político, de modo que as pessoas possam conhecer melhor os problemas, debatê-los e decidir quais os rumos que devem ser tomados em sua cidade, seu Estado e no País.
Queremos também ampliar a transparência dos órgãos públicos, não apenas abrindo suas contas, mas facilitando o entendimento da informação, por exemplo, dos diversos projetos que estão em tramitação nas duas Casas do Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais.
Pretendemos criar uma nova forma de partido político, à altura do século 21. Não temos a pretensão de saber tudo, nem de sermos a “vanguarda” iluminada que conduz o povo; queremos dividir com a cidadania o debate e a escolha dos caminhos a serem trilhados. Mudamos para mudar o País.
(*)Presidente nacional do Podemos.